Doce pecado

Sou cria do criador, fera noturna que a noite educou. À disposição do mundo, pois existo para servi-lo, para perverti-lo, para possuí-lo. Sou a própria soberba, a própria luxúria, o ordinário encapsulado em ampolas de vitrais. Sou também a pureza da vida, a obra prima que não foi concluída, a corrupção dos odiáveis sinceros demais. Sou o vil, o fútil, o segredo não revelado. Sou desejo, sou profano, o corpo desnudo encoberto entre as nuvens que a lua espantou. Sou pecador... sou o próprio pecado.

Não sou senão o resultado do que escolhi ser. O suor, o despudor, a loucura, o furor. Sou sentimento, sou prazer, desvendando um universo de satisfações a serem experimentadas. Sou a aventura, o risco, o pulsar que provoca medo. Sou dono da noite, amante do dia. Não há limites, não há regras, não há receios.

Sou aquele que acende as velas e esparrama pelo corpo, acariciando, deslizando, despertando o ápice das sensações. Sou a tara convertida em realização. O sorriso no rosto que compreende o quanto foi bom; os olhos que brilham querendo mais; os gemidos sufocados entre os lençóis e travesseiros amarrotados. São tantas pernas, tantos toques, que os fluídos já não podem ser identificados. Sou a alma entregue ao chão, misturada ao elixir das satisfações de um ato consumado. Sou a música dos corpos que roçam e as rimas de um silêncio provocado. Sou frescor, mas sou também o calor incontrolável. Sou o fogo, a gota que escorre à face,  no contraste do que fui a poucas horas atrás. Sou o cigarro aceso na janela, as pernas descobertas, o repouso entre os braços e abraços. 

Entre tantos que sou, me cerco do imponderável... o controle que se perdeu diante do que foi visto até aqui. Um pavio de vida curta, que o ar cortou e interrompeu. Sou tudo e todos em um só ser...

Mundano, divino... você...  e eu.